quinta-feira, 10 de julho de 2008

As repúblicas do azeite - Preview da minha contribuição para a Newsletter

As Repúblicas do Azeite

A Grécia (em grego: Ελλάδα ou, alternativamente, Ελλάς), embora fique situada numa encruzilhada de continentes, é um país mediterrânico e qualquer outra denominação é incorrecta tanto a nível cultural, social, histórico, climatérico, gastronómico, como geográfico. Da mesma forma que faz sentido que Portugal (em grego: Πορτογαλία e em mirandês: Pertual) seja um país mediterrânico, embora não tenha fronteira com o mar mediterrânico.

Talvez geograficamente não seja tão consensual quanto isso, mas, ao que dizem os gregos, já foram apelidados de “bizantinos”, “País de Leste” ou “País dos Balcãs” (entre outros) e parece-me que nunca foram designações positivas que granjeassem apoio. É fácil de perceber que, face às alternativas, os gregos não se importem de pertencer ao mesmo grupo que Portugal. O mesmo se passa com Portugal cuja alternativa seria ser apenas uma “província de Espanha”. A diferença é que os portugueses dizem odiar os espanhóis quando na realidade os adoram enquanto os gregos dizem adorar os turcos quando efectivamente os odeiam.

É importante esclarecer as posições gregas e portuguesas no contexto europeu e mundial porque, de facto, não são nada óbvias. São países mediterrânicos, excepções à regra, e não poderia ser de outra forma. Países periféricos. Um na ponta sudeste e o outro no extremo sudoeste, a Europa começa e termina da mesma forma. Os últimos dos moicanos. Verdadeiras repúblicas do azeite, Portugal e Grécia, são como opostos que se tocam: o Α (alfa) e o Ω (ómega).

Nós temos o destino e eles a tragédia, nós temos o fado e eles a rembetika, nós temos a guitarra portuguesa e eles têm o bouzouki, nós temos a ginginha e eles o ouzo, nós o vinho do Porto e eles o vinho de Santorini, nós temos o “chico-espertismo” e eles têm o “yorgos-espertismo”, nós temos o “desenrascanço” e eles a “missão impossível grega”, eles dizem que não e nós percebemos que sim, nós demos novos Mundos ao Mundo que era grego, nós temos praias com areia excelente e eles têm praias com excelente água: ambas são excelentes, à sua maneira. Nós temos um país com planícies e poucas montanhas e eles têm um país de montanhas com poucas planícies, nós temos estradas boas e eles têm estradas más: ambos conduzimos muito mal.

Nós somos maluquinhos por desporto e eles são fanáticos. Nós temos o Benfica e eles têm o Panathinaikos, nós temos o Porto e eles têm o Olympiakos, nós temos o Sporting e eles têm o AEK, nós temos o Braga e eles têm o PAOK, nós temos o Vitória de Guimarães e eles têm o Aris, nós temos o Vitória de Setúbal e eles têm o Asteras Tripoli, nós temos o GDEstoril-Praia e eles têm o Apollon, nós temos a Associação Desportiva de Oeiras e eles têm o Histon FC.

A Grécia teve Onassis e nós temos o Belmiro, nós temos a Amália na voz e eles têm Aquiles no calcanhar, nós temos a Mariza e eles a Eleftheria Arvanitaki, nós temos o Quim Barreiros e eles têm o Demis Roussos, nós temos o Fernando Santos e eles têm o Φερνανδο Σαντοσ; graças a Deus (!), temos o mesmo Deus mas religiões diferentes, nós benzemo-nos para a esquerda e eles benzem-se para a direita, os nossos padres vestem-se de branco e os padres deles vestem-se de preto (mesmo quando as esposas estão vivas). Até o nosso primeiro-ministro José Sócrates é descendente de gregos (isto é mentira, mas tudo o resto é verdade). Nós não reivindicamos nada, eles reivindicam tudo por nada. Nós somos hospitaleiros se gostarem de nós, as pessoas gostam deles porque são hospitaleiros.

Outrora donos do mundo, Portugal e Grécia, seguiram exemplarmente uma trajectória.

Descendente. Exemplos de como destruir a antiga glória de um país. A verdade é que não somos descendentes de Vasco da Gama ou de Ulisses mas daqueles que ficaram, por ser mais cómodo. Tanto a Grécia como Portugal são países de comodistas; os aventureiros partiram. E de sisudos. Temos dificuldade em nos rirmos de nós próprios e esse é o primeiro passo, indispensável, para podermos melhorar. Por vezes relaxamos naquilo que é realmente importante e somos picuinhas com pormenores irrelevantes. Já não há pachorra para os “velhos do Restelo”. Exigirá um esforço adicional de memória. Falta-nos rumo, direcção, vontade e bom-senso. Só isso.

Sendo um país mediterrânico, como Portugal, é mais aquilo que nos une do que nos separa mas apenas esta brevíssima comparação deve servir para identificar algumas das idiossincrasias que definem os dois países. De resto, a própria palavra idiossincrasia provem da palavra grega ιδιοσυγκασια
(ίδιος, próprio + σύγκρισις, constituição, temperamento). Mesmo naquilo que somos diferentes acabamos por ser iguais.

Mas a minha mensagem é de esperança e nós temos um trunfo: o azeite. Poucos países se podem orgulhar de produzir sistematicamente azeite de qualidade. Azeite que é a base de uma alimentação saudável e equilibrada. Um pastel de nata ao lanche também ajuda mas a base tem de ser o azeite! Obviamente, muitas vezes, estamos com “os azeites” mas até isso é positivo. Falta-nos rumo, direcção, vontade e bom-senso. Só isso.

Ao longo da última década (e mais um pouco) temos vindo a produzir azeite de excelente qualidade que não tem sido aproveitado porque, infelizmente, os “azeiteiros” são retrógrados, verdadeiros “velhos do Restelo”. É uma questão de mentalidade e isso demora algum tempo a mudar. Estamos a melhorar e a colheita está a amadurecer. Não temos de ser alemães ou escandinavos. Podemos ocasionalmente comer uma salsicha, um “schnitzel” ou um “smorgasboard” mas devemos é ter a preocupação de refinar o azeite.

Programas como o Inov Contacto são importantes para criarmos uma nova geração de “azeiteiros”, não apenas copiar o que vemos “lá fora” mas descobrirmos o nosso próprio caminho. Ou melhor, redescobrirmos, o nosso caminho. Nesse aspecto, parece-me que os gregos estão ligeiramente mais adiantados do que nós.

O meu apelo final é para que, neste processo, não se desvirtue a essência de Portugal, o azeite, que é tão português como grego.

3 comentários:

Simãozinho, o Bife disse...

Nota 20 Luzio. Passado com distinção ;)

Aquele abraço

Unknown disse...

Muito bom mesmo!

Eu diria 21! :)

Abraço!

Guillaume Riflet disse...

Um dos principais problemas de Portugal e (quiçá?) da Grécia, é esta super-identidade que o "Horto Magiko" tão bem glorifica. Os portugueses são demasiado iguais de entre Fado, Fátima e Futebol (e bigodes à Toni). Os U.S. e a França são países com uma diversidade étnica e cultural muito grande. A Espanha tem n regiões antagonistas. O Reino-Unido tem n reinos. Enquanto classificarmos com esta precisão minuciosa e verídica (suspiro) o "ser português", não há safa. Porquê? Falta de diferença! Falta de querer ser, fazer e pensar diferente! Apostar no azeite? Mas concerteza. (Desculpem interromper mas vi este post partilhado no google reader e não resisti mandar este bitaite).