segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

IZMIR: Depender da Bondade de Estranhos

O Karma é uma coisa engraçada. Não é uma palavra portuguesa nem tão pouco grega – nós temos o fado e eles a tragédia – mas o Karma não é isso, na realidade, é precisamente o oposto.

Mas mais importante do que o nome é o seu significado e mais importante ainda é a sua aplicação prática. Apenas como conceito não é nada. Na realidade o Karma pode ser aquilo que bem entendermos, o que lhe confere um poder enorme que me agrada. Imagino que nas mãos de alguém malvado como Hitler tenha sido uma coisa terrível mas para alguém que apenas se quer divertir espera-se que seja uma coisa mesmo muito boa. É por isso que não vou explicar o significado da palavra Karma mas, sim, dar um exemplo prático.

Esta é a história da minha viagem a Izmir (Turquia) e, como todas as histórias, muito daquilo que vou escrever não aconteceu e muito daquilo que aconteceu não vou escrever. Aviso, desde já, que algumas coisas não fazem sentido mas esta história é mesmo assim...

O registo dos bilhetes indica que saí de Atenas às 19.00 de uma Sexta, cheguei a Izmir por volta das 10.00 da manhã de um Sábado e regressei às 22.00 de uma Segunda. Isto está errado, ou pelo menos parcialmente errado, porque embora as horas e os dias possam estar correctos a ausência de referência aos anos pode induzir em erro. A verdade é que em Izmir corria o ano de 2015 e o estranho é que, de facto, o trajecto Piraeus-Hios-Cesme-Izmir-Cesme-Hios-Piraeus pareceu demorar 7 anos.

O Karma já se havia manifestado antes nesta viagem, em pequenos e subtis pormenores, mas tornou-se um companheiro, fisicamente presente, na viagem de autocarro entre Cesme e Izmir.

Nos meus primeiros dias em Atenas e quando estava à procura de casa encontrei um agente imobiliário asqueroso de nome Ramtrinkinssivandslismkironic Parvalhoti Palhaçoti Papadopoulos. Este tipo – o Ramtrinkinssivandslismkironic Parvalhoti Palhaçoti Papadopoulos – é o chico esperto dos agentes imobiliários que acha engraçado endrominar os outros: uma pessoa mesmo má. O que o Ramtrinkinssivandslismkironic Parvalhoti Palhaçoti Papadopoulos não sabia mas, provavelmente, sabe agora é que “what goes around comes around”. São as nossas acções que nos definem enquanto pessoas e a pessoas más acontecem coisas más. Nunca sabes quando pode acontecer, por isso, se te chamas Ramtrinkinssivandslismkironic Parvalhoti Palhaçoti Papadopoulos tem cuidado.

Então, o Ramtrinkinssivandslismkironic Parvalhoti Palhaçoti Papadopoulos estava neste autocarro com o cabelo cheio de papéis humedecidos que alguém lhe estava a soprar por uma palhinha. Não sei se o Karma achou que não era castigo suficiente ou se aquilo o estava a incomodar mas ele começou a ficar agitado e toda a gente apercebeu-se que ele era grego. Ser Grego na Turquia não é nada bom e ser um Grego chamado Ramtrinkinssivandslismkironic Parvalhoti Palhaçoti Papadopoulos é apenas uma desculpa para ser expulso do autocarro, à noite e no meio do nada. E foi isso que aconteceu, enquanto o Karma me dava uma palmada no ombro e piscava o olho.

A Turquia é um país de contrastes e o Karma é uma coisa engraçada. Uma coisa que já tinha lido ou ouvido falar mas que só agora tive oportunidade de ver in loco (queria mesmo ver) são as “crianças suicidas” que andam pelas estradas das cidades a pedir dinheiro. Pedem dinheiro da mesma forma que o fazem em Portugal ou em qualquer outro sítio onde haja pobreza, ou seja, estendem o braço e abrem ligeiramente a mão. A diferença de estilo está naquilo que acontece se não recebem o dinheiro. Atiram-se para cima do capôt do carro, agarram-se ao limpa pára-brisas e tentam ao máximo dificultar a visibilidade do condutor. A lógica é do tipo, “OK, não me deste esmola então agora vamos todos morrer que é para te ensinar uma lição”.

Sinceramente, achei um espectáculo digno de ser visto, talvez um pouco melodramático demais para o meu gosto, mas, enfim, foi de borla.

Isso foi o que achei na altura porque agora compreendo que todos temos um pouco do Ramtrinkinssivandslismkironic Parvalhoti Palhaçoti Papadopoulos dentro de nós. E o Karma decidiu dar-me uma lição: no espaço de poucas horas, perdi-me dos meus amigos, fiquei sem telemóvel e sem dinheiro. A forma como tudo isto aconteceu é uma história dentro de outra hisória mas foi, claramente, o Karma a dizer-me “Toma lá que é para aprenderes ò Parvalhoti Palhaçoti”. Entretanto passaram-se anos, novos países surgiram e quando o Karma achou que já tinha sofrido o suficiente nas ruas frias de Izmir, experimentado a maldade das pessoas más e quando já ponderava a hipótese de me juntar às “crianças suicidas” eis que surge a bondade dos estranhos. Precisa de fazer um telefonema? Não há problema, use o meu telemóvel. Precisa de ir até este local no outro lado da cidade? Eu levo-o.

Entretanto, antes de ir embora, fiz questão de ir ao local onde estavam as “crianças suicidas” e dar-lhes um grande prato de doner (uma espécie de carne de kebab) que era a coisa certa a fazer em primeiro lugar. E senti-me muito bem e aprendi que o Karma é uma coisa engraçada mas a pobreza e a má fortuna não.

Então, de regresso a Atenas, fiz 80 km nas estradas da Turquia em 2 minutos, fui o último a entrar num barco que voava e quando cheguei a Atenas estava a nevar e o ano era novamente o de 2008.

O Karma é uma coisa engraçada, mas o que é o Karma? Não é nada e é tudo ao mesmo tempo. Tem muitos nomes e formas. É a tua vida e aquilo que decides fazer dela. Não é uma filosofia que decides seguir, porque a vida não acontece assim. Não acordas um dia de manhã e pensas: “Agora, vai acontecer!”. As coisas acontecem e pronto. É ser melhor todos os dias, “ser eu mesmo mas não ser sempre o mesmo” e é apenas isso.

Qual é a moral da história? A vida tem uma justiça poética. É certo que vais encontrar obstáculos e ajudas. Pessoas boas e más. O interessante é que não as vais poder distinguir e para saboreares o doce é provável que tenhas de saborear primeiro o amargo. A chave é não deixar de acreditar na bondade dos estranhos e quanto mais obstáculos encontrares o mais certo é que, no final, tudo vá valer a pena. Não vale a pena preocuparmo-nos com as coisas ou, pelo menos, perceber que preocuparmo-nos não leva a lado nenhum. O que é preciso é fazer acontecer e isto é a verdade. Pelo menos uma verdade.

3 comentários:

Deixem jogar o Mantorras disse...

Com karmas ou sem karmas, isto é que é vida!

nelsinho disse...

grande viagem grande inspiração! grande karama para ti meu caro

Pedro disse...

grande "estoria" e lição!!
e o nome do grego é genial!
abraço